A leitura homoerótica oculta por trás da fantasia sombria de berserk
Uma análise sugere que Berserk, longe de ser apenas sobre batalhas, explora intensamente o desespero homoerótico sob um verniz de fantasia masculina.
A obra Berserk, célebre por sua narrativa brutal, repleta de espadas, trauma e demônios, está sendo revisitada sob uma nova ótica interpretativa. Argumenta-se que, por baixo da armadura pesada da fantasia sombria medieval, pulsa uma corrente intensa de desespero homoerótico, que atrai um público que, em grande parte, resiste a nomear a profundidade dessa dinâmica.
A relação central entre Guts e Griffith, pilares da trama criada por Kentaro Miura, transcende a tradicional amizade de companheiros ou a rivalidade épica. Essa conexão é retratada como um laço moldado pela ambição, pela vergonha e pelo medo paralisante da dependência mútua. A intimidade masculina, o desejo silencioso pela beleza e poder do outro, permeiam cada painel da história.
A máscara da fraternidade e a fragilidade da masculinidade
A tensão entre Guts e Griffith está saturada de admiração, desejo e dominação, mas convenientemente enquadrada na linguagem aceitável da irmandade de armas. É neste ponto que se revela uma faceta da masculinidade reprimida: o anseio profundo por conexões masculinas que só se torna palatável quando mascarado pela violência, pela hierarquia e pelo escopo de uma tragédia grandiosa.
A arte de Miura amplifica essa tensão palpável. A ênfase visual em músculos definidos, cicatrizes e olhares prolongados, especialmente aqueles devotados ao ponto da obsessão, reforça essa interpretação. Um momento crucial, citado nessa análise, é o olhar suave direcionado por Guts ao rosto de Griffith antes do colapso de seu mundo. Tal expressão é vista como representativa do sofrimento de um coração homossexual reprimido, mais do que a mera contemplação de um guerreiro.
O mito que permite a vivência sem nomeação
Sob esta luz, Berserk se transforma em um romance gay brutal que se disfarça de saga de sobrevivência e poder. O consumo da obra por leitores que insistem em uma identidade heterossexual enquanto se fixam na dor masculina, na exaltação corporal e na lealdade inquestionável sugere um mecanismo de negação. O público acredita estar imerso em uma fantasia de poder, mas estaria, na verdade, engajado com um desejo homoerótico reprimido.
A narrativa oferece um mito moderno que permite a exploração dessas emoções complexas e tabus, possibilitando sentí-las intensamente sem a necessidade de serem reconhecidas ou nomeadas abertamente. A profundidade psicológica e visual da saga de Kentaro Miura é, assim, um espelho potente das complexidades da afeição e do anseio masculino dentro de contextos sociais restritivos. A obra de Kentaro Miura continua a ressoar, provocando reflexões sobre o que está implícito sob a superfície da história.
Analista de Mangá Shounen
Especializado em análise aprofundada de mangás de ação e batalhas (shounen), com foco em narrativas complexas, desenvolvimento de enredo e teorias de fãs. Experiência em desconstrução de arcos narrativos e especulações baseadas em detalhes canônicos.