A ideia do mal em berserk: Um conceito central ou uma ameaça à autonomia de griffith?

Um dos conceitos mais profundos e controversos do universo de Berserk é a Ideia do Mal. Essa entidade, que seria a representação divina da própria existência, foi esboçada em material descartado durante a criação do fatídico Eclipse. Sua introdução levanta questionamentos cruciais sobre a natureza do mal, a causalidade e, principalmente, a agência dos personagens centrais.

A Ideia do Mal é visualizada como uma manifestação direta da ânsia humana por um poder superior, uma fonte que, paradoxalmente, explica a escuridão e as tragédias que afligem pessoas comuns. A ideia de que o deus daquele mundo é um subproduto da própria esperança e malícia humana é fascinante, oferecendo uma camada de filosofia existencial à narrativa sombria de Kentaro Miura.

O dilema da causalidade e o sacrifício

A controvérsia principal surge quando se considera a função dessa entidade na jornada de Griffith. Se a Ideia do Mal é o arquiteto final da realidade, ela teria guiado Griffith em seu caminho para se tornar Femto. Isso imediatamente lança uma sombra sobre a decisão de Griffith de sacrificar a Banda do Falcão. O argumento levantado é que, se tudo foi orquestrado por essa força cósmica, o sacrifício se torna menos um ato de livre arbítrio desesperado e mais uma submissão inevitável à Causalidade.

Tal interpretação diminui o peso do personagem de Griffith. A tragédia de Berserk reside em grande parte na capacidade de seus protagonistas de fazer escolhas devastadoras sob pressão extrema. Se Griffith foi meramente um escravo do destino, sua ambição extrema e sua traição perdem o impacto visceral que definem o mangá. Fanáticos do mangá, que acompanha a luta de Guts contra as amarras do destino, sugerem que a introdução da Ideia do Mal em sua forma mais abrangente enfraqueceria a temática central.

Livre arbítrio contra o destino cósmico

Em contrapartida, a existência da Ideia do Mal não anula necessariamente a luta pela liberdade individual. Por outro lado, a narrativa já estabeleceu Guts como o anti-herói que constantemente desafia a Causalidade. A possibilidade teórica reside em um confronto direto entre o Espírito da Escuridão, movido pela vontade de Guts, e o poder da Ideia do Mal. Integrar essa entidade poderia oferecer um clímax temático, onde a força do desejo humano, mesmo quando corrompido, enfrenta a estrutura que tenta aprisioná-lo.

A decisão de incorporar ou não a Ideia do Mal no cânone estabelecido de Berserk é, portanto, um equilíbrio tênue. Ela oferece uma explicação metafísica profunda para a presença do mal, mas corre o risco de tornar atos de livre arbítrio, como os de Guts e Griffith, meras formalidades de um roteiro cósmico predefinido. A complexidade moral da obra de Miura depende da credibilidade do sofrimento e da escolha, elementos que seriam diretamente afetados por tal deus estrutural.