A filosofia niilista em berserk: Uma análise do desespero e da força de vontade
A obra de Kentaro Miura explora profundamente o niilismo, confrontando o vazio existencial com a tenacidade humana.
A icônica saga de fantasia sombria Berserk, criada pelo falecido Kentaro Miura, transcende o mero entretenimento de ação e horror. Ela se estabelece como um profundo tratado filosófico, especialmente em sua abordagem ao niilismo. Longe de ser uma simples representação da maldade, a trama mergulha na ausência de propósito inerente ao universo, forçando seus protagonistas a confrontar o vazio.
O mundo sem significado fundamental
O niilismo, em sua essência filosófica, postula que a vida carece de significado, propósito ou valor intrínseco. Em Berserk, essa visão é frequentemente personificada pelo ambiente caótico e pelas tragédias implacáveis que assolam os personagens. Eventos como o Eclipse servem como um ponto de virada existencial, onde a crueldade cósmica parece validar a crença de que a moralidade e a justiça são meras ilusões criadas pela fragilidade humana. O mundo de Berserk, muitas vezes governado por forças sobrenaturais indiferentes, reflete essa ausência de ordem divina ou racional.
A resposta contra o vazio: a vontade de Guts
No entanto, o que torna a obra tão ressonante não é apenas a apresentação do niilismo, mas a maneira pela qual os personagens reagem a ele. O protagonista, Guts, encarna uma resistência ferrenha contra a aceitação passiva do absurdo. Sua jornada é um ciclo constante de superação da dor e da perda, movida por uma determinação quase irracional de viver e proteger aqueles que ama, mesmo sabendo da futilidade última de seus esforços contra montanhas de demônios e um destino aparentemente selado.
Essa luta pode ser interpretada como a vertente do niilismo existencialista, que, embora reconheça a falta de sentido pré-determinado, enfatiza a soberania do indivíduo para criar seu próprio valor. Guts não encontra um propósito vindo de fora; ele o esculpe através de suas ações, sua raiva e seus laços emocionais. Ele se recusa a ser definido pela tragédia ou pelas regras de um universo que tenta esmagá-lo. Essa é a contra-argumentação da obra: mesmo que não haja um 'porquê' universal, existe o 'eu quero' pessoal.
A dualidade entre determinação e desespero
A complexidade filosófica se aprofunda com a exploração de personagens como Griffith. Enquanto Guts luta para afirmar a vida diante do caos, Griffith abraça o vazio de forma diferente, buscando preencher a ausência de significado com poder absoluto e a criação de um novo mundo, ainda que baseado na traição e no sacrifício de tudo o que era humano. Esta dicotomia entre a criação de valor pessoal através da conexão (Guts) e a criação de valor através da dominação (Griffith) oferece um leque de respostas possíveis ao desafio niilista.
A exploração contínua desses temas no mangá, que influencia profundamente o gênero de fantasia sombria na mídia, como visto em muitas obras modernas influenciadas pelo trabalho de Miura, confirma que Berserk é mais do que uma história de espadas e monstros. É um questionamento duradouro sobre como encontrar a força para continuar quando o cenário sugere que nada realmente importa. A saga permanece como um estudo poderoso sobre a resiliência do espírito humano perante a indiferença cósmica.