A filosofia do sofrimento em berserk: Como cada personagem personifica uma resposta à dor
Na obra de Kentaro Miura, os conflitos e jornadas dos protagonistas transcendem a batalha física, atuando como estudos de caso filosóficos sobre a dor.
A narrativa épica de Berserk, obra seminal do falecido Kentaro Miura, é frequentemente celebrada por sua ação visceral e seu mundo sombrio. No entanto, sua profundidade reside na exploração das reações humanas ao trauma e à dor inevitável. Uma leitura atenta sugere que os personagens centrais não são meros indivíduos, mas sim personificações de complexas filosofias criadas em resposta ao sofrimento.
Guts: A Vontade Contra o Inevitável
O protagonista, Guts, é muito mais do que um espadachim movido pela fúria. Ele encarna a vontade indomável face à inevitabilidade. Apesar de ter sido brutalmente pisoteado pelo destino e pelas forças cósmicas, sua existência torna-se um ato contínuo de resistência. Ele não busca a paz, mas sim a capacidade de continuar lutando, sendo um símbolo da perseverança absoluta mesmo quando a luta parece fútil.
Griffith: Ambição Desvinculada da Moral
Em contraste direto com Guts, Griffith representa a ambição pura, despojada de qualquer resquício de moralidade. Seu caminho para a concretização de um sonho, independentemente do custo humano, reflete uma filosofia onde o objetivo final justifica todos os meios, mesmo os mais depravados. Ele demonstra o perigo da ambição quando esta se torna a única métrica de valor na vida.
A Memória e a Humanidade
A jornada de outros personagens cruciais complementa este espectro filosófico. Casca, por exemplo, embora marcada por uma aparente fragilidade após eventos traumáticos, pode ser interpretada como a memória da humanidade que persiste, mesmo que submersa pela dor. Ela é o vestígio da conexão e da vulnerabilidade que o mundo de Berserk tenta destruir.
Reflexões Sobre Existência e Propósito
Analisando as figuras mais enigmáticas, a profundidade temática se intensifica. O Cavaleiro da Caveira não é apenas um ser sábio; ele é a personificação do propósito que sobrevive à própria alma. Ele é o que resta quando a motivação existencial se torna a única razão para continuar existindo após a perda total do eu anterior.
Além disso, figuras como Void oferecem uma perspectiva mais abstrata. Void não representa o mal em si, mas sim a iluminação despojada de empatia. Essa condição sugere que a busca pelo conhecimento absoluto, quando separada da compreensão do sofrimento alheio, pode levar a uma forma de existência fria e desumana. É a transcendência levada ao extremo nihilista.
O Verdadeiro Campo de Batalha
A teia de personagens em Berserk sugere que o conflito central da obra não é simplesmente a luta entre humanos, apóstolos ou entidades demoníacas. A verdadeira batalha, segundo essa interpretação, é travada no plano ideológico: é um confronto entre diferentes filosofias sobre como lidar com a dor intrínseca à vida. Rage, controle, negação, transcendência e aceitação são as armas usadas na guerra existencial travada por sobreviventes em um mundo cruel.
Essa estrutura narrativa complexa é o que mantém o mangá relevante, convidando a um estudo contínuo sobre a natureza da resiliência e da moralidade sob pressão extrema, ecoando temas discutidos amplamente em filosofias existencialistas.